PEC da Blindagem amplia impunidade e ameaça transparência em emendas parlamentares

A proposta de emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, que impede a abertura de ações criminais contra deputados e senadores sem aval do Congresso Nacional, tem sido apontada por especialistas como um retrocesso que favorece a corrupção no uso das emendas parlamentares. Entidades que atuam no combate à corrupção alertam que a medida amplia a impunidade e reduz a transparência.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) destacou, em nota, que a proposta enfraquece os mecanismos de responsabilização, sobretudo por permitir o voto secreto em casos que envolvem parlamentares. Para o diretor da entidade, Luciano Santos, o crescimento bilionário das emendas nos últimos anos está diretamente relacionado ao avanço das práticas de corrupção. Em 2025, o orçamento federal destinou cerca de R$ 50 bilhões para esse tipo de repasse, cifra semelhante à prevista para 2026.

Segundo ele, a blindagem buscada pelos parlamentares está ligada às investigações em curso sobre desvios nas emendas. “Não faz sentido que a autorização para investigar venha do Congresso, justamente a instituição mais interessada em barrar esses processos”, afirmou. Santos ainda ressaltou que o controle tem vindo de fora, especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF), que vem impondo medidas de fiscalização sobre os repasses.

Nos últimos anos, as emendas parlamentares se tornaram alvo de operações da Polícia Federal (PF) e de investigações abertas pelo STF. O jurista Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, avalia que a PEC representa uma “ação entre amigos” dentro do Congresso. “Boa parte dos parlamentares já responde a suspeitas. A aprovação da proposta só reforça o espírito de autoproteção”, declarou.

A preocupação também é compartilhada por Bruno Bondarovsky, coordenador da Central das Emendas. Para ele, a medida agrava um cenário já marcado por baixa transparência e falta de controle técnico. “Se as investigações ficarem limitadas, as emendas se tornarão um ralo capaz de inviabilizar o país”, alertou.

As recentes decisões do STF reforçam o tamanho do problema. Em agosto, o ministro Flávio Dino determinou a investigação de 964 emendas individuais conhecidas como “Pix”, que somam R$ 694 milhões. No fim de 2024, Dino havia suspendido o pagamento de R$ 4,2 bilhões em repasses por suspeita de irregularidades. Nesta semana, ele voltou a barrar recursos destinados a nove municípios, após auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontar falhas graves em quase todas as cidades analisadas.

A disputa em torno das emendas se tornou um dos principais pontos de tensão entre o STF e o Congresso. Embora o Parlamento tenha aprovado novas regras em março deste ano, entidades como a Transparência Internacional afirmam que as mudanças não garantem a devida rastreabilidade dos recursos. A organização lembrou que, entre 1998 e 2001, quando vigorava a exigência de autorização do Congresso para abrir processos contra parlamentares, 253 pedidos de investigação foram arquivados, restando apenas um aprovado.

Na mesma linha, o Instituto Não Aceito Corrupção classificou a PEC como uma tentativa explícita de institucionalizar a impunidade. Para a entidade, a proposta cria uma “casta de intocáveis”, ferindo diretamente o princípio constitucional da isonomia.

Apesar das críticas, parlamentares da oposição defendem a medida como um escudo contra o que chamam de interferência do Judiciário. O relator da proposta na Câmara, Claudio Cajado (PP-BA), rejeitou as acusações de que a PEC limita investigações criminais. Já o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) sustentou que o Congresso não deixará de punir parlamentares culpados de crimes.

O MCCE, entretanto, rebateu tais argumentos lembrando que, historicamente, o corporativismo no Legislativo sempre bloqueou a maioria dos processos. “A experiência mostra que o Congresso protege os seus. A autoproteção é enorme”, concluiu Luciano Santos.